A Mente na Natureza – H.P.Blavatsky
Grande é a autossatisfação da ciência moderna, e incomparável as suas conquistas. Filósofos pré-Cristãos e medievais podem ter deixado alguns marcos sobre minas inexploradas: mas a descoberta de todo o ouro e de todas as joias inestimáveis deve-se ao trabalho paciente do erudito moderno. E, assim, eles declaram que o verdadeiro e real conhecimento da natureza do Cosmos e do homem é todo de desenvolvimento recente. A moderna e luxuriante planta brotou da erva daninha morta das superstições antigas.
Mas essa não é a visão dos estudantes de Teosofia. E eles dizem que não é suficiente falar desdenhosamente das “concepções insustentáveis de um passado inculto”, como o Sr. Tyndall e outros fizeram, para esconder as jazidas intelectuais a partir das quais a reputação de tantos filósofos e cientistas modernos tem sido construída. Quantos dos nossos ilustres cientistas têm obtido honra e crédito meramente vestindo as ideias daqueles antigos filósofos, que eles estão sempre prontos a depreciar, é deixado a uma posteridade imparcial dizer. Mas a vaidade e a teimosia se aferrolharam como dois monstruosos cancros no cérebro do homem culto comum; e este é especialmente o caso dos orientalistas – Sanscritistas, Egiptólogos e Assiriologistas. Os primeiros são guiados (ou talvez apenas fingindo ser guiados) por comentaristas pós-Mahabharata; os segundos por papiros interpretados arbitrariamente, reunidos com o que esse ou aquele outro escritor Grego disse, ou omitidos em silêncio, e pelas inscrições cuneiformes em tabletes de barro semidestruídos, copiados pelos Assírios dos registros “Acádio” – Babilônicos. Muitos deles estão aptos a esquecer, em cada oportunidade conveniente, que as numerosas mudanças de linguagem, a fraseologia alegórica e o evidente sigilo dos antigos escritores místicos, que geralmente estavam sob a obrigação de nunca divulgar os segredos solenes do santuário, podem ter tristemente enganado tanto os tradutores quanto os comentaristas. A maioria dos nossos orientalistas preferem permitir que a sua presunção fuja com a sua lógica e seus poderes de raciocínio do que admitir a sua ignorância, e eles alegarão com orgulho, como o Professor Sayce (1)
(1)Veja as Palestras Hibbert para 1887, páginas 14-17, sobre a origem e crescimento da religião dos antigos babilónios, onde o Prof. A. H. Sayce diz que embora “muitos dos textos sagrados tenham sido escritos de modo a serem inteligíveis apenas aos iniciados [itálicos são meus] … munidos de chaves e glosas”, contudo, como muitos destes últimos, acrescenta ele, “estão em nossas mãos”, eles (os orientalistas) têm “uma pista para a interpretação desses documentos, que até os iniciados sacerdotes não possuíam” (p. 17). Esta “pista” é a loucura moderna, tão cara ao Sr. Gladstone, e tão obsoleta em sua monotonia para a maioria, que consiste em perceber em cada símbolo das religiões de antigamente um mito solar, arrastado, sempre que a oportunidade o requeira, para um emblema sexual ou fálico. Daí a afirmação de que enquanto “Gisdhubar era apenas um campeão e conquistador dos velhos tempos”, para os orientalistas, que “conseguem penetrar por detrás dos mitos”, ele não é senão um herói solar, que era ele mesmo, apenas o descendente transformado de um humilde Deus do Fogo (loc. cit., p. 17).
que eles desvendaram o verdadeiro significado dos símbolos religiosos antigos, e podem interpretar textos esotéricos muito mais corretamente do que os hierofantes iniciados da Caldeia e do Egito. Isto equivale a dizer que os antigos hierogramáticos e sacerdotes, inventores de todas as alegorias que serviram de véu às muitas verdades ensinadas nas Iniciações, não possuíam uma pista dos textos sagrados compostos ou escritos por eles mesmos. Mas isto está em igualdade com aquela outra ilusão de alguns sânscritos, que, embora nunca tenham estado sequer na Índia, afirmam conhecer o sotaque e a pronúncia sânscrita, como também o significado das alegorias védicas, muito melhor do que o mais versados entre os maiores sânscritos e estudiosos do sânscrito da Índia.
Depois disso, quem pode duvidar que o jargão e os deslumbres dos nossos alquimistas e cabalistas medievais também são lidos literalmente pelo estudante moderno; que o Grego e até mesmo as ideias de Ésquilo são corrigidas e melhoradas pelos estudiosos de Grego de Cambridge e de Oxford, e que as parábolas veladas de Platão são atribuídas à sua “ignorância”. No entanto, se os estudantes das línguas mortas sabem alguma coisa, deveriam saber que o método do determinismo extremo era praticado tanto na filosofia antiga como na moderna; que desde as primeiras eras do homem, as verdades fundamentais de tudo o que nos é permitido saber na Terra estavam na guarda segura dos Adeptos do santuário; que a diferença nos credos e na prática religiosa era apenas externa; e que aqueles guardiães da primordial revelação divina, que tinham resolvido todos os problemas que estavam ao alcance do intelecto humano, estavam unidos por uma maçonaria universal da ciência e da filosofia, que formava uma cadeia ininterrupta ao redor do globo. Cabe à filologia e aos orientalistas se esforçarem para encontrar o fio da meada. Mas se eles persistirem em buscá-lo em um único sentido, e o errado, a verdade e o fato nunca serão descobertos. Assim, permanece o dever da psicologia e da Teosofia em ajudar o mundo a chegar até eles. Estudem as religiões orientais à luz da filosofia Oriental, não da Ocidental, e se vocês vieram a afrouxar corretamente um único laço dos antigos sistemas religiosos, a corrente de mistério pode ser desenredada. Mas para conseguir isso, não se deve concordar com aqueles que ensinam que não é filosófico investigar as causas primárias, e que tudo o que podemos fazer é considerar os seus efeitos físicos. O campo da investigação científica é limitado pela natureza física por todos os lados; portanto, uma vez atingidos os limites da matéria, a investigação deve parar e o trabalho deve ser recomeçado. Como o teosofista não deseja brincar de ser um esquilo na sua roda giratória, ele deve se recusar a seguir o exemplo dos materialistas. Ele, em todo caso, sabe que os ciclos do mundo físico são, segundo a antiga doutrina, acompanhados por ciclos semelhantes no mundo do intelecto, pois a evolução espiritual no universo procede em ciclos, assim como a física. Não vemos na história uma alternância regular de refluxo e fluxo na maré do progresso humano? Não vemos na história, e até encontramos isso dentro da nossa própria experiência, que os grandes reinos do mundo, depois de alcançarem o auge da sua grandeza, descem novamente, de acordo com a mesma lei pela qual ascenderam? Até que, tendo alcançado o ponto mais baixo, a humanidade se reafirma e se reergue uma vez mais, sendo o auge da sua realização, por essa lei de progressão ascendente por ciclos, um pouco mais alta do que o ponto de onde antes tinha descido.
A divisão da história da humanidade em que os Hindus chamam de Sattva, Tretya, Dvâpara e Kali Yugas, e em que os Gregos chamam de “Idade do Ouro, da Prata, do Cobre e do Ferro”, não é uma ficção. Nós vemos a mesma coisa na literatura dos povos. Uma era de grande inspiração e de produtividade inconsciente é invariavelmente seguida por uma era de crítica e de consciência. Uma proporciona material para o intelecto analítico e crítico para a outra. “O momento é mais oportuno do que nunca para a revisão de velhas filosofias. Arqueólogos, filólogos, astrônomos, químicos e físicos estão se aproximando cada vez mais do ponto em que serão forçados a considerá-las. A ciência física já atingiu seus limites de exploração; a teologia dogmática vê as fontes de sua inspiração secas. Aproxima-se o dia em que o mundo receberá as provas de que só as religiões antigas estavam em harmonia com a natureza e que a ciência antiga abraçou tudo o que pode ser conhecido”. Mais uma vez é reiterada a profecia já feita em Isis Unveiled há vinte e dois anos. “Segredos há muito guardados podem ser revelados; livros há muito esquecidos e artes há muito tempo perdidas podem ser novamente trazidos à luz; papiros e pergaminhos de inestimável importância aparecerão nas mãos de homens que fingem tê-los desenrolado de múmias, ou tropeçado neles em criptas enterradas; tábuas e pilares, cujas revelações esculpidas irão espantar os teólogos e confundir os cientistas, podem ainda ser escavados e interpretados. Quem conhece as possibilidades do futuro? Uma era de desencanto e de reconstrução logo começará – não, já começou. O ciclo quase terminou seu curso; um novo está para iniciar, e as páginas futuras da história podem conter evidências abrangentes e transmitir provas completas.
Desde o dia em que isto foi escrito, muito disso ocorreu e a descoberta das tábuas de barro dos Assírios e seus registros, por si só, forçaram os intérpretes das inscrições cuneiformes – tanto cristãos como livres-pensadores – a alterar a própria idade do mundo. (2)
A cronologia dos Puranas hindus, reproduzida em “A Doutrina Secreta”, é agora ridicularizada, mas pode chegar o momento em que será universalmente aceita. Isto pode ser considerado como uma simples suposição, mas assim será apenas por enquanto. Na verdade, é apenas uma questão de tempo. Toda a questão da disputa entre os defensores da sabedoria antiga e os seus detratores – leigos e eclesiásticos – baseia-se: a) na compreensão incorreta das filosofias antigas, pela falta das chaves que os Assírios se vangloriam de ter descobertos, e b) nas tendências materialistas e antropomórficas da época.
Isto não impede, de modo algum, que os Darwinistas e os filósofos materialistas cavem as minas intelectuais dos antigos e se sirvam do manancial de ideias que encontram nelas; nem que os divinos descubram os dogmas cristãos na filosofia de Platão e os chamem de “pressentimentos”, como em “Monumental Christianity” do Dr. Lundy e outras obras modernas similares.
De tais “pressentimentos”, toda a literatura – ou o que resta dessa literatura sacerdotal – da Índia, do Egito, da Caldeia, da Pérsia, da Grécia e mesmo da Guatemala (Popul Vuh) está repleta. Com base na mesma pedra fundamental – os antigos Mistérios – todas as religiões primitivas, sem qualquer exceção, refletem a mais importante das crenças outrora universais, como, por exemplo, um Princípio divino impessoal e universal, absoluto em sua natureza e incognoscível para o intelecto “cerebral” ou o conhecimento condicionado e limitado do
(2)Sargon, o primeiro monarca “Semita” da Babilônia, o protótipo e original de Moisés, está agora colocado 3.750 anos A. C. (p. 21), e da Terceira Dinastia do Egito “cerca de 6.000 anos atrás”, portanto, alguns anos antes do mundo ter sido criado, de acordo com a cronologia bíblica. (Vide ”Hibbert Lectures on Babylonia ”, de A. H. Sayce, 1887, pp. 21 e 33).
homem. Imaginar qualquer testemunho Dele no universo manifestado que não seja a Mente Universal, a Alma do Universo – é impossível. Aquilo que, por si só, é uma evidência e uma prova eterna e incessante da existência daquele Princípio Uno, é a presença de um desenho inegável no mecanismo cósmico, o nascimento, crescimento, morte e transformação de tudo no Universo, desde as estrelas silenciosas e inalcançáveis até o humilde líquen, do homem até as vidas invisíveis agora chamadas de micróbios. Daí a aceitação universal do “Pensamento Divino”, o Anima Mundi de toda a antiguidade. Esta ideia de Mahat (o grande) Akasha ou aura de Brahmâ de transformação com os Hindus, de Alaya, “a Alma divina do pensamento e da compaixão” dos místicos trans-Himalaianos; da “Divindade perpetuamente raciocinando” de Platão, é a mais antiga de todas as doutrinas, agora conhecida por, e acreditada pelo homem. Por isso, não se pode dizer que elas se originaram com Platão, nem com Pitágoras, nem com nenhum dos filósofos dentro do período histórico. Dizem os Oráculos de Caldeia: “as obras da natureza coexistem com a luz intelectual [νοερῴ], espiritual do Pai. Pois é a Alma [ѱυχή] que adornou o grande céu e que o adorna conforme o Pai”.
“O mundo incorpóreo, então, já estava completo, tendo seu assento na Razão Divina”, diz Filo, que é erroneamente acusado de derivar sua filosofia de Platão.
Na Teogonia de Mochos, encontramos primeiro o Éter e depois o ar; os dois princípios dos quais nasce Ulom, o Deus (o universo visível de matéria) inteligível[νοητός].
Nos hinos Órficos, o Eros-Panes evolui do Ovo Espiritual, que os ventos etéreos impregnam, sendo o vento “o Espírito de Deus”, que se diz mover-se em Éter, “brotando sobre o Caos” – a Divina “Ideia”. No Kathopanishad Hindu, Purusha, o Espírito Divino, está diante da Matéria original; de sua união brota a grande Alma do Mundo, “Maha-Atma, Brahm, o Espírito da Vida”; essas últimas denominações são idênticas à Alma Universal, ou Anima Mundi, e à Luz Astral dos Teurgistas e Cabalistas.
Pitágoras trouxe suas doutrinas dos santuários Orientais e Platão compilou-as numa forma mais inteligível que os misteriosos numerais do Sábio – cujas doutrinas ele tinha inteiramente abraçado – para a mente não-iniciada. Assim, o Cosmos é “o Filho” para Platão, tendo para seu pai e sua mãe o Pensamento Divino e a Matéria. O “Ser Primal” (Seres, para os Teosofistas, pois eles são a agregação coletiva dos Raios divinos), é uma emanação da Mente Demiúrgica ou Universal que contém, desde a eternidade, a ideia do “mundo a ser criado” dentro de si mesmo, cuja ideia o LOGOS não manifestado produz de Si mesmo. A primeira Ideia “nascida na escuridão antes da criação do mundo” permanece na Mente não-manifestada; a Segunda, é esta ideia saindo como um reflexo da Mente (agora o LOGOS manifestado), revestida de matéria e assumindo uma existência objetiva.
H.P. BLAVATSKY
Lucifer, setembro 1896