Teosofia mecânica – W.Q.Judge
O estudante mais sério e devotado dificilmente pode acreditar que existam quaisquer teosofistas que acreditem sinceramente nas doutrinas teosóficas, mas que, ao mesmo tempo, tenham uma concepção mecânica delas que permite-lhes manter, tranquilamente, muitos dogmas antigos que são diametralmente opostos à teosofia. No entanto, os temos entre nós.
Acontece desta maneira. Em primeiro lugar, a Teosofia e suas doutrinas são bem recebidas porque proporcionam uma explicação das tristezas da vida e uma resposta parcial à pergunta: “Por que existe alguma coisa? ” Então, um exame mais profundo e uma compreensão mais ampla das doutrinas abrangentes da Unidade, Reencarnação, Carma, a Classificação Sétupla, levam a pessoa a perceber que, ou deve ser encontrado um meio de reconciliar certos dogmas e ideias de antigamente com a Teosofia, ou o desastre de renunciar ao antigo deve recair sobre ele.
Considerando a classe criminosa e as leis sobre ela, o teosofista mecânico vê que, talvez, a lei retaliatória de Moisés deva ser abandonada se o modus vivendi não for encontrado. Claro, não são os homens agentes do carma? Consequentemente, o criminoso que assassinou pode ser executado, pode ser violentamente expulso da vida, porque esse é o seu carma. Além disso, a sociedade deve ser protegida. Você cita a influência disso na natureza sutil, interior e viva do homem. O teosofista mecanicista deve necessariamente fechar os olhos para algo, então ele responde que tudo isso não tem importância, o criminoso matou e deve ser assassinado; foi sua própria culpa. Assim, de uma só vez, a compaixão vai embora e, também, qualquer visão científica dos criminosos e da morte repentina, a fim de que possa haver um princípio Mosaico retaliatório, o qual está de fato vinculado a nossas naturezas egoístas pessoais.
Nosso mecanicista naturalista na filosofia de vida encontra então uma grande satisfação. Porque é claro, sendo em sua própria opinião um agente cármico, ele tem o direito de decidir quando deve agir como tal. Ele será um agente consciente. E, assim, ele executa o carma sobre seus companheiros de acordo com seus próprios desejos e opiniões; mas ele não doará ao mendigo porque foi demonstrado que isso encoraja a mendicidade, nem ele resgataria a mulher bêbada da sarjeta porque é culpa dela e do seu carma de estar lá. Ele certamente assume que age com justiça e, talvez, em sua estreiteza mental ele pensa que está fazendo isso, mas a verdadeira justiça não é seguida porque é desconhecida para ele, estando preso ás longas e invisíveis correntes cármicas de si mesmo e de sua vítima. No entanto, ele salvou suas velhas teorias e ainda assim se autodenomina um teosofista.
Mais uma vez, a visão mecânica, sendo estreita e necessariamente mantida por aqueles que não têm nenhum conhecimento inato do oculto, vê apenas as operações mecânicas externas do carma. Daí a relação sutil de pai e filho, não apenas neste plano, mas em todos os planos ocultos da natureza, é ignorada. Em vez de ver que o filho é daquele pai apenas por causa do carma e para propósitos definidos; e que a filiação não se limita apenas a trazer um ego para essa vida, mas por motivos mais amplos e maiores; o teosofista mecânico e naturalista fica encantado ao descobrir que sua Teosofia permite ignorar a relação, e até mesmo amaldiçoar um pai, porque a linhagem é considerada meramente uma porta de entrada para a vida e nada mais.
A Teosofia mecânica é tão ruim quanto aquela forma do Cristianismo que permite que um homem chame sua religião de religião do amor, enquanto ao mesmo tempo pode tomar, retaliar, ser egoísta e aprovar a construção de aparelhos mortíferos por seu governo e ir à guerra, embora Jesus se opusesse a ambos. A Teosofia mecânica não condenaria – assim como o Cristianismo – aqueles missionários de Jesus que, encontrando-se em perigo de morte em um país onde o povo não os quer, apelam ao seu governo por navios de guerra, por soldados, armas e proteção violenta em um território que eles não possuem. Foi a visão mecânica do Cristianismo que criou a Inquisição. Esse tipo de religião expulsou a verdadeira religião de Jesus, e a visão mecânica de nossa doutrina, se persistir, fará o mesmo com a Teosofia.
Nossa filosofia de vida é um grande todo, cada parte necessária e adequada a todas as outras. Cada uma de suas doutrinas pode e deve ser levada ao seu derradeiro desfecho. Sua aplicação ética deve proceder de forma semelhante. Se entrar em conflito com as velhas opiniões, essas devem ser rejeitadas. Nunca pode entrar em conflito com a verdadeira moralidade. Mas o fará com muitos pontos de vista que tocam nossas relações uns com os outros. O espírito da Teosofia deve ser buscado; uma aplicação sincera de seus princípios à vida e no agir deve ser realizada. Assim, a Teosofia mecânica, que inevitavelmente leva – como em muitos casos já o fez – a uma negação da fraternidade, será impossível e, em vez disso, haverá uma Teosofia viva e efetiva. Isso irá então levantar em nossos corações a esperança de que pelo menos um pequeno núcleo da Fraternidade Universal possa ser formado antes que todos nós, desta geração, estejamos mortos.
WILLIAM Q. JUDGE
Path, Novembro 1895