A Lei moral da Reparação – W.Q.Judge
“Pois tu farás aliança com as pedras do campo; e os animais selvagens estarão em paz contigo.“ – Jó, cap. V, v. 23, Bíblia Cristã.
Como teosofista ocidental, eu gostaria de apresentar aos meus irmãos indianos alguns pensamentos sobre o que eu concebo como sendo o funcionamento da Lei da Reparação em parte, ou, para dizer mais claramente, sobre o funcionamento de uma ramificação dessa Lei.
Parece inegável que esta Lei é a mais poderosa e a que tem as mais numerosas e complicadas ramificações de todas as Leis com as quais temos que lidar. Isto é o que torna tão difícil para um espírito humano, o progresso ascendente para o qual nós todos estamos nos esforçando, e muitas vezes me é imposto que é esta Lei que pereniza o mundo, com suas ilusões, suas tristezas, suas ilusões e que se pudéssemos tão somente compreendê-la para evitar sua ação, o Nirvana para toda a família humana seria um fato consumado.
Em uma edição anterior, um irmão respeitado do Ceilão, falando com autoridade, nos mostrou como responder à pergunta tão frequentemente feita: “por que vemos um bom homem comer o pão da pobreza e os malvados morarem na riqueza, e por que tantas vezes um homem bom é lançado da prosperidade para o desespero e um homem malvado, após um período de tristeza e de dificuldades, experimenta para o resto de sua vida, nada mais que o sucesso e a prosperidade?” Ele respondeu que nossos atos em qualquer período de existência eram como a flecha disparada do arco, agindo sobre nós na vida seguinte e produzindo nossas recompensas e punições. Para que aceitemos sua explicação – como devemos – é necessário, é claro, acreditar na reencarnação. Até onde ele foi, ele estava muito a contento, mas ele não se aprofundou tanto no assunto quanto seu grande conhecimento permitiria. É de se esperar que ele nos favoreça com mais ensaios sobre o mesmo assunto.
Eu ainda não vi em nenhum lugar a fundamentação do funcionamento desta Lei – como e por que atua em qualquer caso específico.
Dizer que a injúria de um homem justo irá condenar alguém a uma vida de mendigo na próxima existência é uma declaração suficientemente categórica, mas é apresentada sem uma razão, e a menos que aceitemos cegamente estes ensinamentos, não podemos acreditar que tais consequências se seguiriam. Para cativar a nossa mente, precisa ser dada uma explicação que deve ser, ao mesmo tempo, simples e razoável. Deve existir alguma Lei para este caso particular; caso contrário, a afirmação não pode ser verdadeira. Deve ocorrer, a partir da força do injurio, a infração de alguma regulamentação natural, a produção de alguma desarmonia no mundo espiritual que tem como consequência a punição por mendicância na existência seguinte do injuriador. O único outro motivo passível de afirmação é que ela é assim ordenada. Mas tal motivo não é motivo algum porque nenhum teosofista acredita que qualquer punição, exceto a que o próprio homem inflige, é ordenada. Como este mundo é um mundo produzido por Lei, movido pela Lei, e governado pela ação natural de Leis que não precisam de ninguém para operá-las, mas que invariavelmente e infalivelmente agem por si mesmas, deve seguir-se que qualquer punição sofrida desta forma não é sofrida por nenhuma ordem, mas é sofrida porque a Lei natural opera por si mesma. Além disso, somos obrigados a aceitar este ponto de vista, porque acreditar que foi ordenada, pressuporia a existência de alguma pessoa em particular, mente, vontade ou inteligência para ordenar, algo que ninguém nunca vai acreditar, ninguém que sabe que este mundo foi produzido e é regido, pela ação dos números, pesos e medidas, acima de tudo com harmonia.
Devemos então saber de que maneira a Lei funciona, a qual condena o injuriador de um homem justo a mendigar em sua próxima existência. Uma vez conquistado este conhecimento, podemos ser capazes de encontrar para nós mesmos a maneira e o poder de apaziguar, por assim dizer, esse terrível monstro da reparação pela realização de alguns atos específicos que serão de alguma forma uma restauração da harmonia que quebramos, se por acaso cometemos o pecado inconscientemente ou inadvertidamente.
Imaginemos agora um menino nascido de pais ricos, mas que não recebeu a inteligência adequada. Ele é, de fato, considerado um idiota. Mas ao invés de ser um idiota afável, ele possui uma grande malícia que se manifesta no atormentar insetos e animais em todas as oportunidades. Ele vive até, digamos, os dezenove anos e passou seus anos no malicioso, embora idiota, atormentar da vida animal ininteligente e indefesa. Assim, ele tem atrapalhado muitos espíritos em sua marcha ascendente e, sem dúvida, infligiu dor e causou uma desarmonia moral.
Este fato de sua idiotice não é uma restauração da desarmonia. Cada animal que ele torturava tinha seu próprio espírito elementar particular, e assim também todas as flores que ele partiu em pedaços. O que eles sabiam de sua idiotice e o que sentiram depois da tortura a não ser a vingança? E se soubessem de sua idiotice, sendo seres irracionais, não poderiam ver nisso qualquer desculpa para seus atos. Ele morre aos dezenove anos e, após o lapso de anos, renasce em outra nação – por acaso outra Era – num corpo que possui maior inteligência do que a média. Ele não é mais um idiota, mas um homem sensato e ativo que agora tem a chance de regenerar o Espírito dado a cada homem, sem as correntes da idiotice sobre ele. O que deve ser o resultado das más ações de sua existência anterior? Ficarão impunes? Não creio. Mas como elas devem ser punidas; e se a compensação vier, de que maneira a Lei opera sobre ele? Para mim parece haver apenas uma maneira, isto é, através da desarmonia produzida nos Espíritos daqueles seres não pensantes que ele tinha torturado durante aqueles dezenove anos. Mas como? Desta forma. Na agonia de sua tortura, esses seres voltaram seus olhares para seu torturador e, morrendo, seu quadro espiritual através do excesso de sua dor, juntamente com essa dor e o desejo por vingança, foram fotografados, por assim dizer, sobre seus espíritos – pois de nenhuma outra forma poderiam ter uma memória dele – e quando ele se tornou um espírito desencarnado, eles se agarraram a ele até reencarnar quando ainda estavam com ele como cracas em um navio. Agora eles só podem ver através de seus olhos, e sua vingança consiste em precipitar-se, através do seu olhar sobre qualquer assunto em que ele possa se envolver, apegando-se assim a ele com o propósito de arrastá-lo para o desastre.
Isto leva à pergunta do que se entende por esses elementais precipitando-se através do seu olhar. Os antigos ensinavam que a luz astral – Akasha – é projetada a partir dos olhos, os polegares e as palmas das mãos. Agora, como os elementais existem na luz astral, eles poderão ver apenas através das vias do organismo humano que são usadas pela luz astral no viajar a partir da pessoa. Os olhos são os mais convenientes. Assim, quando esta pessoa dirige seu olhar para qualquer coisa ou pessoa, a luz astral se projeta nesse olhar e, através dele, esses elementais veem o que ele vê. E assim também, caso ele fosse magnetizar uma pessoa, os elementais se projetariam a partir de suas mãos e olhos sobre o sujeito magnetizado e o feririam.
Bem, então, nosso idiota reencarnado se envolve em um negócio que requer sua vigilância constante. Os elementais vão com ele e se atiram sobre tudo o que ele dirige, causando-lhe um desastre contínuo.
Mas, um a um, eles são novamente arrebatados para fora da órbita da necessidade, para dentro da órbita de liberdade condicional nesse mundo e, finalmente, todos se vão e, assim, ele encontra sucesso em tudo que faz e tem sua chance de colher novamente a vida eterna. Ele encontra a realização das palavras de Jó citadas no cabeçalho deste artigo: ele está “em aliança com as pedras do campo; e os animais selvagens estão em paz com ele”. Estas palavras foram escritas há séculos por aqueles antigos egípcios que conheciam todas as coisas. Tendo andado pelos caminhos secretos da sabedoria que nenhuma ave conhece e que o olho do abutre não viu, descobriram essas Leis ocultas, uma dentro da outra como as rodas de Ezequiel, que governam o Universo. Não há outra explicação razoável sobre a passagem citada do que a teoria pouco esboçada no exemplo anterior. E eu a ofereço apenas como uma solução ou resposta possível à pergunta sobre qual é a base racional do funcionamento da Lei Moral da Reparação nesse caso em particular, sobre a qual eu vou ao ponto de dizer que eu acho que conheço um exemplo vivo. Mas ela não fornecerá uma resposta para o caso da punição por injuriar um homem justo.
Peço encarecidamente aos sábios amigos do Editor do “Theosophist” que deem a explicação, e nos deem a dica de como, nessa existência, podemos agir de modo a mitigar os horrores de nosso castigo e chegar tão perto quanto possível de uma aliança com as pedras e os animais selvagens.
WILLIAM Q. JUDGE
Theosophist, outubro 1881