O Nascimento Divino – R. Crosbie
Todos nós estamos familiarizados com as palavras nascimento, vida, morte; no entanto, qual homem, dentre todos aqueles que falam de nascimento, pode dizer por que e de onde ele veio? O nascimento é um fato familiar para todos nós, mas, embora seja um fato familiar, é uma experiência única para cada um de nós. Da mesma forma, como uma experiência, a morte é única para cada indivíduo; assim como, além disso, aquilo que está entre duas [mortes], nossa vida.
Quando lemos sobre grandes personagens da vida humana que, de tempos em tempos, lançaram uma luz que a fumaça dos séculos não conseguiu apagar, como Krishna, Buda, Jesus, Pitágoras, Platão ou inúmeros outros, será que percebemos que algo a mais nasceu além dos corpos quando esses Seres nasceram? Será que percebemos que por trás desses Seres havia outras heranças além da física? Que homem é tolo o suficiente para pensar que o primeiro ancestral conhecido de qualquer linhagem física surgiu do nada para a existência? Rastreamos nossa ascendência física por duas, três, cinco ou, talvez, por dez gerações, e então a retrocedente escuridão do passado encobre a linhagem; mas sabemos perfeitamente bem que a sucessão é ainda mais antiga. Por que não deveríamos perceber que o homem tem uma herança moral, uma mental, uma intelectual, uma psíquica e, muito mais potente do que todas essas, todo homem tem uma herança espiritual?
Em todas as épocas, vieram ao mundo homens que nos falaram em termos humanos sobre a vida divina. Na fraseologia limitada do ser mortal, eles nos falam de uma existência desprovida de corpo, de coisas e seres, estados e condições imortais. E tentamos interpretar coisas ininterpretáveis … ininterpretáveis porque tentamos imaginar Deus como uma sombra grotesca e gigantesca, porque tentamos compreender o mistério da vida eterna nos termos da existência mortal neste corpo perecível; tentamos descobrir o que é um nascimento divino do ponto de vista de uma concepção física imaculada. Materializamos as coisas mais sagradas que podem ser trazidas diante a mente do homem.
O nascimento espiritual é o nascimento em aquele conhecimento que por si só se sabe que sempre existiu; do fato de que é imortal; que apenas passa de uma forma para outra; que apenas muda de corpo, muda de energia, muda de ideia. Todos estão prontos para descartar uma ideia pior e adotar uma melhor, se puderem enxergar qual é a melhor. O homem espiritual vê as causas, vê que temos uma visão mortal da vida. Ele desperta para o fato de que a vida é imortal. Ele percebe que a lei da vida é interna ao ser, e que o que chamamos de lei é meramente, em toda parte e o tempo todo, a reação da massa à ação engendrada pelo indivíduo.
O nascimento divino não é o nascimento em um corpo, em um sistema de fé, em qualquer forma de ação, em qualquer esfera intelectual, por mais brilhante ou profunda que seja; é o nascimento nos princípios das coisas. O nascimento para o Conhecimento espiritual é o nascimento espiritual – o nascimento na percepção de nossa própria divindade ilimitada, o nascimento na percepção de nossos próprios poderes ilimitados. Um homem pode ser o pior homem que já existiu. Mas que poder ele deve ter usado para chegar a esse nível! Um homem pode ter perdido todo o poder, menos o poder de sofrer. Pense na gigantesca prodigalidade de força mental, moral e espiritual que aquele homem lançou e disseminou pelo espaço por incontáveis eras antes de atingir esse nível! Mas o oceano da vida é tão inexaurível como sempre foi, e aquele homem, quando a dissolução até o último grau tiver ocorrido, será o quê? Somente Espírito – o que ele era no início.
Assim, o pior homem do mundo, o homem mais fraco do mundo, o homem mais estúpido do mundo, pode ter esperança e fé garantidas. Ele precisa apenas começar a agir, não com base no fato de ser um pecador, mas com base no fato de que ele tem o poder de fazer o bem ou o mal. Se ele optar por fazer o bem, ninguém poderá impedi-lo; se ele optar por fazer o mal, ninguém poderá impedi-lo, mas foi por ignorância e por fazer o mal que ele chegou ao seu estado atual.
Tomemos, então, um ser como Cristo que, para a maioria de nós, é o exemplo ímpar de um nascimento divino. Ele passou por todos os estágios pelos quais passamos; Ele já foi como somos agora; qualquer conhecimento que possuísse, Ele teve de obtê-lo a partir do oceano universal de conhecimento; qualquer poder que tivesse, Ele obteve do reservatório inesgotável da força infinita; qualquer filantropia, qualquer altruísmo, qualquer beneficência, qualquer bondade e indulgência em Seu coração, Ele extraiu daquele oceano inesgotável de Compaixão que é o próprio Espírito. Nós temos o mesmo poder. No momento em que reconhecermos esse fato, começaremos a agir como seres espirituais. A partir do momento que não acreditarmos mais que somos mortais, mas percebermos que devemos ser imortais, começaremos a agir dessa forma. Quando percebermos que não estamos separados de nossos semelhantes acima ou abaixo de nós, que estamos unidos por mil laços, físicos e metafísicos, começaremos a agir como vemos os membros do corpo agirem uns com os outros; de forma coerente, concordante, fraternal, com todos os homens, independentemente de como eles agem.
Cada um de nós fala do passado. O passado está conosco neste exato momento, todo o nosso passado, em um estado post-mortem. Falamos de nosso futuro; nosso futuro por um bilhão de eternidades está aqui conosco neste exato momento, em um estado pré-natal. Mas quando um homem atinge o nascimento espiritual, não há passado, não há presente, não há futuro. O que existe? Existe a presença atemporal e inativa do Espírito único; nisso ele vive, se move e tem sua existência.
Seres elevados vêm entre nós com a nossa aparência, mas Eles são Seres divinos que tiveram um nascimento divino na forma humana. O que é, então, desse ponto de vista, um nascimento divino? Eles vêm sabendo por que vêm. Eles escolhem Seu tempo, Seu lugar, Suas circunstâncias, Sua época e Seu trabalho. E Eles vêm para o bem dos irmãos mais jovens, você e eu; não para nos emancipar – nenhum homem pode emancipar um outro dos laços da ignorância – , mas para nos indicar o caminho da emancipação. Esse caminho é tão simples que o peregrino, ainda que um tolo, não deve errar. Ele começa com o simples altruísmo, com a simples prática, em pensamento, fala e ação da Regra de Ouro. É a vida de serviço, mencionada no Bhagavad Gita; mas no momento em que um homem se esforça para viver uma vida de serviço para seus semelhantes, então, e somente então, ele descobre sua ignorância espiritual. A coisa mais difícil neste mundo é fazer o bem, mas quando um homem começa a praticar a Regra de Ouro, ele recebe sua recompensa ao descobrir o quanto é ignorante na tentativa de fazer o bem. Ele faz com que seu padrão de vida seja pensar no bem, fazer o bem, falar o bem; então ele começa a fazer perguntas àqueles que demonstraram ao longo dos tempos que sabem como fazer o bem e eis que ele descobre que praticamente o único bem que Eles podiam fazer para a humanidade era por meio de preceitos e exemplos.
Quando um homem começa a fazer perguntas, ele percebe que o maior serviço que pode prestar a um semelhante é apontar o caminho da libertação da escravidão. Há muitas pessoas que podem ajudar um homem doente a recuperar a saúde; há multidões que podem ajudar um homem cuja mente está vazia a preenchê-la; mas quem pode ajudar a preencher o coração vazio? Quem pode ajudar a Alma desolada? Quem pode ajudar a trazer paz, calma e coragem ao espírito ao perdido, que não acredita mais na realidade de sua própria existência, na natureza de sua própria identidade?
Essa é a verdadeira ajuda que vem isso vem do fato de primeiro prestar serviço e depois de fazer perguntas. Depois disso, o caminho se torna cada vez mais claro até que, em pouco tempo, o homem é capaz de ouvir a voz do espírito como algo separado da voz da matéria; o homem é capaz de entrar em contato com a Vida que é infinita em meio à vida que é mortal. Para alcançar esse ponto, por onde surge o primeiro vislumbre tênue do despertar – o arauto do momento do alvorecer quando ele encontra o verdadeiro Deus em si mesmo – é o nascimento divino para esse homem. Ele aguarda a todos nós; ele pressiona incessantemente todos nós, exigindo que prestemos serviço, que façamos perguntas não com relação ao caminho do nascimento físico ou da morte física, mas ao caminho do conhecimento de nosso ser essencial e de nossos poderes imortais.
ROBERT CROSBIE
“Theosophy”, vol. XI pág.86