Os Mahatmas teosóficos – H.P.Blavatsky
É com sincero e profundo pesar – embora sem surpresa, preparado como estou há anos para tais declarações – que li no “Occult Word” de Rochester, editado pela Sra. J. Cables, a dedicada presidente da S.T. daquele lugar, seu editorial conjunto com o Sr. W. T. Brown. Essa repentina reviravolta de sentimento é talvez bastante natural na senhora, pois ela nunca teve as oportunidades dadas a ela como o Sr. Brown as teve; e seu sentimento quando ela escreve que depois de “um grande desejo … de ser colocado em comunicação com os Mahatmas Teosóficos nós (eles) chegamos à conclusão de que é inútil esforçar os olhos psíquicos em direção ao Himalaia …” é inegavelmente compartilhado por muitos teosofistas. Se as reclamações são justificadas, e também se a culpa é dos “Mahatmas” ou dos próprios teosofistas, é uma questão que ainda está por ser resolvida. Tem sido um caso pendente por vários anos e terá que ser decidido agora, pois os dois queixosos declaram sobre suas assinaturas que “nós (eles) não precisamos correr atrás dos místicos orientais, que negam sua capacidade de nos ajudar“. Essa última frase, em itálico, precisa ser seriamente examinada. Peço o privilégio de fazer algumas observações sobre isso.
Para começar, o tom de todo o artigo é o de um verdadeiro manifesto. Resumido e extirpados de sua exuberância de expressões bíblicas, chega-se a esta declaração parafraseada: “batemos à porta deles e eles não nos responderam; rezamos por pão, eles nos negaram até mesmo uma pedra”. A acusação é bastante séria; no entanto, que não é nem justa nem razoável, é o que eu me proponho mostrar.
Como eu fui a primeira nos Estados Unidos a trazer a existência de nossos Mestres à público e, tendo exposto os nomes santos de dois membros de uma Irmandade até então desconhecida da Europa e da América (salvo para alguns místicos e Iniciados de todas as épocas), no entanto sagrados e reverenciados em todo o Oriente, e especialmente na Índia, causando especulação e curiosidade vulgar em torno desses nomes abençoados e, por fim, levando a uma reprimenda pública, acredito ser meu dever contradizer a adequação desses últimos explicando toda a situação, pois me sinto a principal culpada. Pode fazer bem a alguns, talvez, e interessará a outros.
Não deixe ninguém pensar, contudo, que eu saio como uma campeã ou como uma defensora daqueles que muito certamente não precisam de defesa. O que pretendo, é apresentar fatos simples, e deixar depois disto a situação ser julgada por seus próprios méritos. À simples declaração de nossos irmãos e irmãs de que eles têm “vivido de cascas”, “caçando deuses estranhos” sem obter acesso, eu perguntaria, por minha vez, de modo igualmente simples: “Vocês têm certeza de ter batido na porta certa? Vocês tem certeza de não ter perdido o rumo ao parar tantas vezes em sua jornada em portas estranhas, atrás das quais estão à espera os inimigos mais ferozes daqueles que vocês estavam procurando? “Nossos Mestres não são “um deus ciumento”; eles são simplesmente mortais santos, no entanto, superiores a qualquer um neste mundo, moralmente, intelectualmente e espiritualmente. Por mais santos e avançados que sejam na ciência dos Mistérios, eles ainda são homens, membros de uma Irmandade, que são os primeiros nela a se mostrarem subservientes às suas leis e regras honradas pelo tempo. E uma das primeiras regras nela exige que aqueles que iniciam sua jornada para o Oriente, como candidatos a serem notados e favorecidos por parte daqueles que são os guardiões desses Mistérios, deveriam prosseguir pela estrada reta, sem parar em cada acostamento e caminho, procurando unir-se a outros “Mestres” e professores, muitas vezes da Ciência da Esquerda; que deveriam ter confiança e demonstrar fé e paciência, além de várias outras condições a cumprir. Falhando em tudo isso do princípio ao fim, que direito tem qualquer homem ou mulher de reclamar da responsabilidade dos Mestres em ajudá-los?
De fato, “”os Habitantes do limiar” estão dentro de nós!”
Assim que um teosofista se torna um candidato ao chelado, ou a receber favores, ele deve estar ciente do compromisso mútuo, tacitamente, se não for formalmente oferecido e aceito entre as duas partes, e, que tal compromisso é sagrado. É um vínculo de sete anos de provação. Se durante esse tempo, não obstante as muitas falhas e erros humanos do candidato (exceto dois que não é necessário especificar em papel), se ele permanece durante toda tentação fiel ao Mestre escolhido, ou aos Mestres (no caso de candidatos leigos), e tão fiel à Sociedade fundada por Seus desejos e sob Suas ordens, então o teosofista será iniciado em …… , permitido a partir daí comunicar-se com seu guru – sem reservas, todas as suas falhas, exceto essa, conforme especificada, podem ser desconsideradas: elas pertencem a seu futuro Carma, mas são deixadas para o presente, a critério e ao julgamento do Mestre. Somente Ele tem o poder de julgar se, mesmo durante esses sete longos anos, o chela será favorecido independentemente de seus erros e pecados, com ocasionais comunicações com e do guru. Este último, minuciosamente colocado a par quanto às causas e motivos que levaram o candidato a pecados de omissão e de incumbência, é o único a julgar a conveniência ou a inconveniência de conceder encorajamento; como somente ele tem direito a isso, visto que ele mesmo está sob a inexorável lei do Carma, que ninguém, desde o selvagem Zulu até o arcanjo mais elevado, pode evitar – e que ele tem que assumir a grande responsabilidade das causas criadas por ele mesmo.
Assim, a principal e a única condição indispensável exigida no candidato ou chela em provação, é simplesmente a fidelidade inabalável ao Mestre escolhido e a Seus propósitos. Essa é uma condição sine qua non; não como eu disse, por causa de qualquer sentimento de inveja, mas simplesmente porque a relação magnética entre os dois, uma vez quebrada, torna-se a cada vez duplamente difícil de novamente se reestabelecer; e porque não é nem justo nem razoável que os Mestres exerçam seus poderes para aqueles cujo rumo futuro e deserção final eles podem muito frequentemente prever claramente. No entanto, quantos daqueles que, esperando, como eu chamaria, “favores por antecipação”, e ficando desapontados, em vez de humildemente repetir mea culpa, tacharam os Mestres com egoísmo e injustiça? Eles quebrarão deliberadamente o fio da conexão dez vezes em um ano, e ainda assim esperam que cada vez sejam levados de volta nos termos antigos? Conheço um teosofista – deixe-o anônimo, embora se espere que ele mesmo se reconheça – um jovem calado e inteligente, um místico por natureza, que, em seu entusiasmo e impaciência insensatos, mudou as suas ideias e a dos Mestres cerca de meia dúzia de vezes em menos de três anos. Primeiro ele se ofereceu, foi aceito em provação e fez o voto do chelado; cerca de um ano depois, ele subitamente teve a ideia de se casar, embora tivesse várias provas da presença corpórea de seu Mestre, e teve vários favores concedidos a ele. Fracassando os projetos de casamento, ele procurou “Mestres” em outros contextos, e se tornou um Rosacruz entusiasta; depois voltou à Teosofia como um místico cristão; depois novamente procurou animar suas austeridades com uma esposa; depois desistiu da ideia e se tornou um espiritualista. E agora, depois de ter se candidatado mais uma vez “para ser novamente aceito como um chela” (tenho sua carta) e seu Mestre permanecendo em silêncio – ele renunciou totalmente a ele, para buscar nas palavras do manifesto acima – seu antigo “Mestre Essênio e testar os espíritos em Seu nome.“
O capaz e respeitado editor de Occult World e sua Secretária
têm razão, e escolheram o único caminho verdadeiro no qual, com uma dose muito pequena de fé cega, eles certamente não encontrarão ludíbrios ou decepções. “É agradável para alguns de nós”, dizem eles, “obedecer ao chamado do “Homem dos sofrimentos”, que não vai rejeitar ninguém, porque são indignos ou porque não atingiram uma certa porcentagem de mérito pessoal”. Como eles sabem, a menos que aceitem o dogma cinicamente horrível e pernicioso da Igreja Protestante, que ensina o perdão do crime mais perverso, desde que o assassino acredite sinceramente que o sangue de seu “Redentor” o salvou na última hora – o que é isso senão fé cega e não-filosófica? Emocionalismo não é filosofia; e Buda dedicou sua longa vida auto sacrificial para afastar as pessoas precisamente dessa superstição criadora do mal. Por que então falar de Buda, no mesmo contexto? A doutrina da salvação pelo mérito próprio e o auto esquecimento é a pedra angular dos ensinamentos do Senhor Buda. Ambos os escritores podem ter e muito provavelmente fizeram – “a caça aos deuses estranhos“; mas esses não foram nossos Mestres. “Eles O negaram três vezes” e agora propõem “com os pés sangrando e o espírito prostrado”, “rezar para que Ele (Jesus) nos tome (eles) mais uma vez sob sua proteção”, etc. O “Mestre Nazareno” certamente os atenderá por ora. Ainda assim, eles estarão “vivendo de cascas” acrescido de “fé cega”. Mas nisso eles são os melhores juízes, e ninguém tem o direito de intrometer-se com suas crenças particulares em nossa Sociedade; e que os céus concedam que eles não se tornem, algum dia e diante de sua nova decepção, nossos inimigos mais amargos.
No entanto, para aqueles teosofistas, que estão descontentes em geral com a Sociedade, ninguém jamais fez a vocês qualquer promessa precipitada; muito menos a Sociedade ou seus fundadores jamais ofereceram seus “Mestres” como um prêmio ao mais bem comportado. Durante anos, a cada novo membro foi dito que nada lhe foi prometido, mas que tinha tudo a esperar somente de seu próprio mérito pessoal. O teosofista é deixado livre e desimpedido em suas ações. Sempre que descontente – alia tentanda via est – nenhum prejuízo em tentar em outro lugar; a menos que, de fato, alguém tenha se oferecido e esteja decidido a ganhar os favores dos Mestres. Especialmente para esses, agora me dirijo e pergunto: você cumpriu suas obrigações e promessas? Você, que colocaria de bom grado todas as culpas na Sociedade e nos Mestres – esses últimos, a encarnação da caridade, da tolerância, da justiça e do amor universal – atendeu o requisito de levar a vida, e as condições exigidas de quem se torna candidato? Que aquele que sente em seu coração e consciência que ele o fez – que ele nunca falhou uma só vez seriamente, nunca duvidou da sabedoria de seu Mestre, nunca procurou outro Mestre ou Mestres em sua impaciência para se tornar um ocultista com poderes; e que ele nunca traiu seu dever teosófico em pensamento ou em ação, – que ele, digo eu, se levante e proteste. Ele pode fazê-lo sem medo; não há nenhuma penalidade ligada a ele, e ele não receberá sequer uma reprovação, muito menos será excluído da Sociedade – a mais ampla e liberal em suas opiniões, a mais católica de todas as Sociedades conhecidas ou desconhecidas. Receio que meu convite permanecerá sem resposta. Durante os onze anos de existência da Sociedade Teosófica que conheci, dos setenta e dois chelas normalmente aceitos em período de experiência, e das centenas de candidatos leigos – apenas três – até agora não falharam, e um único teve um sucesso completo. Em verdade, em verdade, muitos são os chamados, mas poucos são os escolhidos – ou muito poucos têm a paciência de ir até o fim amargo, se amargo podemos chamar a simples perseverança e a singularidade de propósito.
E quanto à Sociedade, em geral, fora da Índia? Quem, entre os muitos milhares de membros, “leva a vida“? Alguém pode dizer que, por ser estritamente vegetariano – os elefantes e as vacas são isso – ou porque por acaso ele leva uma vida celibatária, depois de uma juventude tempestuosa na direção oposta; ou porque ele estuda o Bhagavad-Gita ou a “filosofia da Yoga” de cabeça para baixo, que ele é um teosofista de acordo com o coração dos Mestres? Como não é o capuz que faz o monge, então, nenhum cabelo comprido com um poético espaço vazio na fronte é suficiente para fazer de alguém um fiel seguidor da Sabedoria divina. Olhe ao seu redor e veja a nossa assim chamada Fraternidade Universal! A Sociedade, fundada para remediar os males gritantes do Cristianismo, para evitar o fanatismo e a intolerância, a hipocrisia e a superstição, e para cultivar o verdadeiro amor universal que se estende até mesmo ao bruto burro, no quê ela se tornou na Europa e na América nesses onze anos de provação? Em apenas uma coisa conseguimos ser considerados superiores aos nossos irmãos cristãos, que, segundo a expressão ilustrativa de Lawrence Oliphant, “matam-se uns aos outros por causa da fraternidade e lutam como demônios pelo amor de Deus” – e é isso que nós eliminamos com cada dogma e agora tentamos, justa e sabiamente, tirar o último vestígio até mesmo da autoridade nominal. Mas em todos os outros aspectos, somos tão maus quanto eles: maledicência; calúnia; falta de caridade; críticas; gritos de guerra incessantes e repreensões mútuas que o próprio inferno cristão pode estar orgulhoso! E tudo isso, eu suponho, é culpa dos Mestres: ELES não ajudarão aqueles que ajudam os outros no caminho da salvação e da libertação do egoísmo – com pontapés e escândalos? Verdadeiramente, nós somos um exemplo para o mundo, e companheiros adequados para os ascetas santos da Cordilheira nevada!
E agora mais algumas palavras antes de terminar. Serei questionado: “E quem é você para apontar falhas em nós? Será você, que alega a comunhão com os Mestres e recebe favores diários deles; você é tão santa, irrepreensível e digna”? A isto eu respondo: EU NÃO SOU. Imperfeita e deficiente é minha natureza; muitas e gritantes são minhas falhas – e por isso meu Carma é mais pesado do que o de qualquer outro teosofista. É – e assim deve ser – desde há tantos anos que estou no pelourinho, um alvo para meus inimigos e, também, para alguns amigos. No entanto, aceito o julgamento com alegria. Por quê? Porque sei que, apesar de todas as minhas falhas, tenho a proteção do Mestre estendida sobre mim. E se eu a tenho, a razão é simplesmente esta: durante mais de trinta e cinco anos, desde 1851 quando vi um Mestre, corporal e pessoalmente pela primeira vez, nunca o neguei uma única vez e nem duvidei dele, nem mesmo em pensamento. Nunca uma reprovação ou um murmúrio contra Ele escapou dos meus lábios, ou entrou até mesmo no meu cérebro por um instante, sob as mais pesadas provações. Desde o início eu soube o que tinha que esperar, pois me foi dito isso que nunca deixei de repetir aos outros: assim que alguém entra no Caminho que conduz ao Ashrum dos Mestres abençoados – os últimos e únicos guardiões da Sabedoria e da Verdade original – seu Carma, em vez de ter que ser distribuído ao longo de sua longa vida, cai sobre ele num bloco só e o esmaga com todo o seu peso. Aquele que acredita no que ele professa e em seu Mestre, o aguentará e sairá vitorioso da provação; aquele que duvida, o covarde que teme receber suas justas contribuições e tenta evitar que a justiça seja feita – FALHA. É por isso que, tendo sido tão constantemente e tão impiedosamente golpeada por meu Carma que usa meus inimigos como armas inconscientes, é que eu tenho aguentado tudo isso. Tinha certeza de que o Mestre não permitiria que eu perecesse; que ele sempre apareceria na última hora – e assim o fez. Três vezes fui salva da morte por Ele, na última vez quase contra minha vontade; quando voltei ao mundo frio e perverso por amor a Ele, que me ensinou o que eu sei e me fez o que sou. Por isso, eu faço o Seu trabalho e a vontade Dele, e foi isso que me deu a força do leão para aguentar choques, físicos e mentais, um dos quais teria matado qualquer teosofista que continuasse duvidando da poderosa proteção. A inabalável devoção a Ele que encarna o dever que me foi traçado, e a crença na Sabedoria – coletivamente, daquela grande, misteriosa, mas real Irmandade de homens santos – é meu único mérito e a causa de meu sucesso na filosofia ocultista. E agora, repetindo o Paraguru – o Mestre do meu Mestre – as palavras que Ele enviou como uma mensagem àqueles que queriam fazer da Sociedade um “clube de milagres” em vez de uma Irmandade de Paz, Amor e assistência mútua : “que pereça, a Sociedade Teosófica e seus desafortunados fundadores, digo, que pereça seus doze anos de trabalho e suas próprias vidas, ao dever ver o que eu vejo hoje: teosofistas, superando “ringues” políticos em sua busca pelo poder e autoridade pessoal; teosofistas caluniando-se e criticando-se mutuamente como duas seitas cristãs rivais o poderiam fazer; por fim, teosofistas que se recusam a “levar a vida” e depois criticam e lançam calúnias sobre o mais grandioso e nobre dos homens, porque vinculados por suas sábias leis – veneráveis com a idade e baseados em uma experiência milenar da natureza humana – os Mestres se recusam a interferir no Carma e a “ficar em segundo plano” para todo teosofista que os invoca, que ele os mereça ou não.
A menos que se recorra rapidamente a reformas radicais em nossas Sociedades Americana e Europeia, temo que em breve permaneça apenas um centro das Sociedades Teosóficas e da Teosofia em todo o mundo – em específico, na Índia; para esse país eu clamo por todas as bênçãos do meu coração. Todo meu amor e aspirações pertencem a meus amados irmãos, os Filhos do velho Aryavarta – a Pátria Mãe do meu MESTRE.
H.P. BLAVATSKY
Path, dezembro de 1886.