Suicídio não é Morte – W.Q.Judge
NOTA – Este artigo foi publicado pela primeira vez no New York World.
Como estudante de Teosofia e da natureza humana, tenho me interessado pela discussão do assunto do auto homicídio ao qual The World deu um lugar em suas colunas. O eloquente agnóstico, Col. Ingersoll, plantou seus pontos de vista no solo, com as suas raízes no túmulo, dando ao pobre felo de se nada além da fria terra para alegrá-lo em seu ato, a não ser, talvez, a covarde chance de escapar da responsabilidade e da dor. Aqueles que, como diz Nym Crinkle, ocupam-se em responder ao Col. Ingersoll, recuam na mera afirmação de que é um pecado matar o corpo no qual o Senhor achou por bem confinar um homem. Nenhum desses pontos de vista é satisfatório ou científico.
Se é para aprovar o suicídio, só pode ser com base no fato de que o homem é apenas um corpo, que, por ser um torrão de terra, pode muito bem ser tirado de seus sofrimentos. A partir disso, seria um passo fácil justificar a matança de outros corpos que atrapalham, ou velhos, ou loucos, ou decrépitos ou viciados. Pois se a massa de barro chamada corpo é tudo o que somos, se o homem não é um espírito por nascer e imutável em essência, então que mal pode haver em destruí-lo quando se é dono dele, ou é ele, e quão fácil de encontrar uma boa e suficiente razão para se desfazer dos outros de forma semelhante? O sacerdote condena o suicídio, mas pode-se ser Cristão e, ainda assim, ter a opinião de que uma rápida libertação da Terra aproxima o possível céu em vários anos. O Cristão não é dissuadido do suicídio por nenhuma boa razão aventada em sua religião, mas sim por covardia. A morte, sempre que natural ou forçada tornou-se um terror, é chamada de “a Rainha dos Terrores”. Isso porque, embora um vago céu seja oferecido do outro lado, a vida e a morte são tão pouco compreendidas que os homens preferem suportar os males que conhecem do que voar para outros que são temidos pela ignorância do que são.
O suicídio, como qualquer outro assassinato, é um pecado porque é uma súbita perturbação da harmonia do mundo. É um pecado porque derrota a natureza. A natureza existe em função da Alma e por nenhum outro motivo; ela tem o desígnio de proporcionar à Alma experiência e autoconsciência. Só se pode ter isto por meio de um corpo, através do qual a Alma entra em contato com a natureza e cortar violentamente a conexão antes que o tempo natural vença a finalidade da natureza, obrigando-a por ora, por seus próprios processos lentos, a restaurar a tarefa deixada inacabada. E como esses processos devem continuar através da Alma que permitiu o assassinato, mais dor e sofrimento devem seguir-se.
E a perturbação da harmonia geral é um pecado maior do que a maioria dos homens pensa. Consideram-se sozinhos, como separados, como não ligados aos outros. Mas estão ligados por todo o mundo com todas as outras Almas e mentes. Um cordão sutil, real, poderoso os liga a todos e, no instante em que um desses milhões perturba o elo, toda a massa o sente pela reação através da Alma e da mente, e só pode retornar a um estado normal através de um ajuste doloroso. Esse ajuste está nos planos de ser, invisíveis mas importantíssimos, nos quais o homem real existe. Assim, cada assassino do próprio self ou de um outro impõe um ônus injustificável a toda a humanidade. Dessa injustiça ele não pode escapar, pois a morte do seu corpo não o separa do resto; apenas o coloca, privado dos instrumentos da natureza, nas garras das leis que são poderosas e implacáveis, incessantes no seu funcionamento e obrigatórias nas suas exigências.
O suicídio é uma enorme loucura, porque coloca o seu autor numa posição infinitamente pior do que aquela em que esperava tolamente escapar. Não é a morte. É apenas o sair de uma casa bem conhecida, numa vizinhança familiar para ir para um novo lugar onde só o terror e o desespero têm lugar. É apenas uma morte preliminar realizada ao barro, o qual é colocado no “abraço frio da sepultura”, deixando o próprio homem nu e vivo, mas fora da vida mortal e nem no céu nem no inferno.
O teosofista vê que o homem é um ser complexo, cheio de forças e de faculdades, as quais ele usa num corpo na Terra. O corpo é apenas uma parte da sua roupagem; ele mesmo vive também em outros lugares. No sono vive num, desperto noutro, no pensamento noutro. Ele é um ser tríplice de corpo, Alma e espírito. E assim como ele é tríplice, assim também é a natureza – material, psíquica ou astral e espiritual. A parte material da natureza governa o corpo, a parte psíquica afeta a Alma e o espírito vive no espiritual, todos ligados entre si. Se fôssemos apenas corpos, poderíamos muito bem comprometê-los com a natureza material e com o túmulo, mas se sairmos apressados do material, devemos nos projetar no psíquico ou astral. E como toda a natureza procede com regularidade sob o governo da lei, sabemos que cada combinação tem seu próprio prazo de vida antes que uma separação natural e fácil das partes componentes possa ocorrer. Uma árvore ou um mineral ou um homem é uma combinação de elementos ou partes, e cada um deve ter sua previsão de prazo de vida. Se os cortamos violenta e prematuramente um do outro, certas consequências têm de ocorrer. Cada componente requer seu próprio tempo para a dissolução. E o suicídio, sendo uma destruição violenta do primeiro elemento – o corpo – os outros dois, a Alma e o espírito, ficam sem seu instrumento natural. O homem, então, só está meio morto, e é obrigado pela lei de seu próprio ser a esperar até que o prazo natural seja alcançado.
O destino do suicida é, em geral, horrível. Ele se desligou de seu corpo, usando meios mecânicos que afetam o corpo, mas não podem afetar o homem verdadeiro. Ele, então, é projetado no mundo astral, pois tem de viver em algum lugar. Lá, a lei sem piedade, que na realidade age para o seu bem, o obriga a esperar até que ele possa devidamente morrer. Ele deve obviamente esperar, meio morto, os meses ou anos que, na ordem da natureza, teriam passado antes que corpo, Alma e espírito pudessem separar-se adequadamente. Ele se torna uma sombra; ele vive no purgatório, por assim dizer, chamado pelo teosofista de “lugar de desejo e paixão”, ou “Kama Loka“. Ele existe inteiramente no reino astral, consumido pelos próprios pensamentos. Repetindo continuamente em pensamentos vívidos o ato pelo qual tentou parar a peregrinação de sua vida, ele vê ao mesmo tempo o povo e o lugar que deixou, mas não é capaz de se comunicar com ninguém, exceto de vez em quando, com algum pobre sensitivo, que muitas vezes se assusta com a visita. E, muitas vezes, enche a mente das pessoas vivas que podem ser sensíveis aos seus pensamentos com a imagem da sua própria partida, levando-as ocasionalmente a cometer sobre si mesmas o ato do qual ele era culpado.
Para colocar a questão de forma teosófica, o suicida separou-se de um lado do corpo e da vida necessários à sua experiência e evolução, e do outro, do seu espírito, seu guia e “Pai do céu”. Ele é composto, agora, de corpo astral, que é de grande força tênsil, informado e inflamado pelas suas paixões e desejos. Mas uma parte da sua mente, chamada Manas, está com ele. Ele pode pensar e perceber, mas, ignorando como usar as forças dessa esfera, é varrido para cá e para lá, incapaz de se guiar. Toda a sua natureza está em aflição e, com ela, em certo grau, toda a humanidade, pois todos estão unidos através do espírito. Assim ele prossegue, até que a lei da natureza, atue sobre seu corpo astral, que começa a morrer, e depois ele cai num sono do qual desperta a tempo para um período de descanso, antes de começar, mais uma vez, uma vida na Terra. Na sua reencarnação seguinte ele pode, se achar conveniente, resgatar, compensar ou sofrer novamente.
Não há como fugir da responsabilidade. O “doce abraço do barro molhado” é uma ilusão. É melhor aceitar corajosamente o inevitável, pois este deve ser devido aos nossos erros em outras vidas mais antigas, e cumprir todos os deveres, tentar melhorar todas as oportunidades. Ensinar o suicídio é um pecado, pois leva alguns a cometê-lo. Proibi-lo sem razão é inútil, pois nossas mentes devem ter razões para fazer ou para não fazer. E se nós interpretarmos literalmente as palavras da Bíblia, então, lá encontraremos escrito
que nenhum assassino tem um lugar a não ser no inferno. Tais interpretações satisfazem apenas poucos numa era de investigação crítica e de análise dura. Mas dê aos homens a chave para suas próprias naturezas, mostre-lhes como a lei comanda tanto aqui quanto além do túmulo, e seus bons sensos farão o resto. Um ilógico “nepente” do túmulo é tão insensato quanto um céu ilógico por nada.
WILLIAM Q. JUDGE
The Lamp, Setembro 1894