A Ciência da Vida – H.P.Blavatsky
O que é a Vida? Centenas das mentes mais filosóficas, dezenas de doutores bem qualificados, fizeram a si mesmos essa pergunta, mas sem grande resultado. O véu lançado sobre o Kosmos primordial e os misteriosos inícios da vida nele, nunca foi retirado, para a satisfação da ciência sincera e honesta. Quanto mais os homens do conhecimento oficial tentam penetrar em suas dobras escuras, mais intensa se torna essa escuridão e menos eles veem, pois são como o caçador de tesouros, que atravessou os mares para procurar o que está enterrado em seu próprio jardim.
O que é, então, essa ciência? É a biologia, ou o estudo da vida em seu aspecto geral? Não. É a fisiologia, ou a ciência da função orgânica? Nenhuma das duas, pois a primeira deixa o problema como o enigma da Esfinge, como sempre; e a segunda é a ciência da morte muito mais do que a da vida. A fisiologia se baseia no estudo das diferentes funções orgânicas e dos órgãos necessários às manifestações da vida, mas aquilo que a ciência chama de matéria viva é, em verdade, matéria morta. Cada molécula dos órgãos vivos contém o germe da morte em si mesma e começa a morrer assim que nasce, para que sua molécula-sucessora viva apenas para morrer por sua vez. Um órgão, uma parte natural de todo ser vivo, é apenas o meio para alguma função especial na vida, e é uma combinação de tais moléculas. O órgão vital, inteiro, coloca a máscara da vida e, assim, esconde a constante decadência e morte de suas partes. Portanto, nem a biologia nem a fisiologia são a ciência, nem mesmo ramos da Ciência da Vida, mas apenas aquelas das aparências da vida. Enquanto a verdadeira filosofia se apresenta como Édipo diante da Esfinge da vida, dificilmente ousando enunciar o paradoxo contido na resposta ao enigma proposto, a ciência materialista, arrogante como sempre, sem duvidar de sua própria sabedoria nem por um momento, se biologiza e a muitos outros na crença de que resolveu o terrível problema da existência. Na verdade, porém, será que ela se aproximou do seu limiar? Certamente, não é tentando enganar a si mesmo e aos incautos ao dizer que a vida é apenas o resultado da complexidade molecular, que ela jamais pode esperar promover a verdade. Será que a força vital é, de fato, apenas um “fantasma”, como Du-Bois Reymond a chama? Pois sua provocação de que a “vida”, como algo independente, é apenas o “asylum ignorantiae” daqueles que buscam refúgio em abstrações, quando a explicação direta é impossível, aplica-se com muito mais força e justiça àqueles materialistas que cegariam as pessoas para a realidade dos fatos, substituindo-os por palavras bombásticas e dificílimas. Será que alguma das cinco divisões das funções da vida, tão pretensiosamente denominadas – Arquebiose, Biocrose, Biodiaerese, Biocaenose e Bioparodose (1) alguma vez já ajudou um Huxley ou um Haeckel a sondar mais profundamente o mistério das gerações da mais humilde formiguinha – quanto mais do homem? Certamente não. Porque a vida, e tudo o que diz respeito a ela, pertence ao domínio lícito do metafísico e do psicólogo, e a ciência física não tem qualquer direito sobre ela. “O que foi, é o que será; e o que já foi designado – e sabe-se que é o HOMEM” – é a resposta ao enigma da Esfinge. Mas “homem” aqui não se refere ao homem físico – não em seu significado esotérico, de forma alguma. Bisturis e microscópios podem resolver o mistério das partes materiais da casca do homem: eles nunca podem abrir uma janela em sua Alma para revelar o menor panorama em qualquer um dos horizontes mais amplos do ser.
São somente aqueles pensadores que, seguindo a injunção délfica, perceberam a vida em seu self interno, aqueles que a estudaram a fundo em si mesmos, antes de tentarem rastrear e analisar seu reflexo em suas cascas externas, são os únicos recompensados com alguma medida de sucesso. Assim como os filósofos-do-fogo da Idade Média, eles ignoraram as aparências da luz e do fogo no mundo dos efeitos e concentraram toda a sua atenção nas misteriosas entidades produtoras. A partir daí, rastreando-as até a causa abstrata una, eles tentaram sondar o Mistério, cada um na medida em que sua capacidade intelectual o permitia. Assim, eles verificaram que (1) o mecanismo aparentemente vivo chamado homem físico é apenas o combustível, o material do qual a vida se alimenta com o intuito de se manifestar; e (2) que, assim, o homem interno recebe como salário e recompensa a possibilidade de acumular experiências adicionais das ilusões terrenas chamadas vidas.
Um desses filósofos é agora, inegavelmente, o grande romancista e reformador russo, o Conde Lef N.Tolstói. Quão próximas suas visões estão dos ensinamentos esotéricos e filosóficos da Teosofia mais elevados
(1) ou Origem da Vida, Fusão da Vida, Divisão da Vida, Renovação da Vida e Transmissão da Vida.
pode ser encontrada na leitura de alguns fragmentos de uma palestra proferida por ele em Moscou, perante a Sociedade Psicológica local.
Discutindo o problema da vida, o Conde pede ao seu público que admita, em nome da discussão, uma impossibilidade. Diz o conferencista:
“Vamos admitir, por um momento, que tudo o que a ciência moderna deseja aprender sobre a vida, ela já aprendeu e agora conhece; que o problema se tornou tão claro como o dia; que está claro como a matéria orgânica, por simples adaptação, veio a se originar da matéria inorgânica; que está igualmente claro como as forças naturais podem ser transformadas em sentimentos, em vontade, em pensamento e que, por fim, tudo isso é conhecido, não só pelo estudante da cidade, mas também por todo estudante da aldeia.
Estou ciente, portanto, de que tais e tais pensamentos e sentimentos têm origem em tais e tais movimentos. Bem, e o que acontece então? Posso ou não posso produzir e guiar tais movimentos, a fim de estimular em meu cérebro os pensamentos correspondentes? A pergunta – quais são os pensamentos e sentimentos que eu deveria gerar em mim e nos outros, ainda permanece, não apenas não resolvida, mas até mesmo intocada.
Mas, é precisamente essa questão que é aquela questão fundamental da ideia central da vida.
A ciência escolheu como seu objetivo algumas manifestações que acompanham a vida; e confundindo (2) a parte com o todo, chamou essas manifestações da totalidade integral da vida…
A pergunta inseparável da ideia de vida não é de onde vem a vida, mas como se deve viver essa vida: e é somente começando com essa pergunta que se pode esperar chegar a alguma solução para o problema da existência.
A resposta à pergunta “Como devemos viver?” parece tão simples para o homem que ele sequer considera valer a pena tocar no assunto.
… Devemos viver da melhor maneira possível – isso é tudo. À princípio, isso parece muito simples e bem conhecido por todos, mas não é nem de longe tão simples nem tão bem conhecido quanto se possa imaginar …
Inicialmente, a ideia de vida parece para o homem como algo muito simples e evidente. Antes de tudo, parece-lhe que a vida está nele mesmo, em seu próprio corpo. No entanto, tão logo se inicia a busca por essa vida, em qualquer ponto determinado desse referido corpo,
(2) “confundir” é um termo errôneo de se usar. Os homens da ciência sabem muito bem que o que eles ensinam a respeito da vida é uma ficção materialista contestada, a cada passo pela lógica e pelos fatos. Nessa questão em particular, a ciência é usurpada e colocada a serviço de hobbies pessoais e de uma resoluta política determinada a esmagar na humanidade toda aspiração e pensamento espiritual. “Fingindo errar” seria mais correto – H.P.B.
o homem se depara, então, com dificuldades. A Vida não está nos cabelos nem nas unhas; nem no pé nem no braço, que podem ser amputados; não está no sangue, não está no coração, não está no cérebro. Está em toda parte e não está em lugar algum. Se trata disso: a Vida não pode ser encontrada em nenhuma das suas moradas. Então o homem começa a procurar a vida no Tempo; e isso, a princípio, também parece uma questão muito fácil … Mas novamente, tão logo ele começa sua procura, percebe que também nesse caso o assunto é mais complicado do que ele pensava. Agora, eu vivi cinquenta e oito anos, como diz meu registro de batismo na igreja. Mas sei que, desses cinquenta e oito anos, eu dormi mais de vinte. Como então? Vivi ou não vivi todos esses anos? Deduza os meses da minha gestação e aqueles que passei nos braços da minha ama, e será que também poderemos chamar isso de vida? Novamente, dos trinta e oito anos restantes, eu sei que uma boa metade desse tempo eu dormia enquanto me movia; e assim, eu não poderia mais dizer, nesse caso, se eu vivi durante esse tempo ou não. Talvez eu tenha vivido um pouco e vegetado um pouco. Também neste caso, descobre-se que no tempo, assim como no corpo, a vida está em toda parte, mas em lugar nenhum. E agora surge naturalmente a questão: de onde vem, então, essa vida que eu não consigo rastrear em lugar nenhum? Agora, eu aprenderei…? Mas acontece que também nesse âmbito, o que me parecia tão fácil no início, agora parece impossível. Eu devia estar procurando por outra coisa, não pela minha vida, com certeza. Por isso, quando tivermos que procurar o paradeiro da vida – se tivermos que procurar -, então não deve ser nem no espaço nem no tempo, nem como causa nem como efeito, mas como algo que eu conheço em mim mesmo como algo bastante independente do Espaço, do tempo e da causalidade.
O que resta a fazer agora é estudar o Self. Mas como posso conhecer a vida em mim mesmo?
É assim que eu a conheço. Para começar, eu sei que vivo; e que vivo desejando para mim tudo o que é bom, desejando isso desde que me lembro, até hoje, e de manhã até a noite. Tudo o que vive fora de mim é importante aos meus olhos, mas somente na medida em que coopera com a criação daquilo que produz meu bem-estar. O Universo só é importante a meu ver por que pode me proporcionar prazer.
Enquanto isso, algo mais está ligado a esse conhecimento em mim de minha existência. Inseparável da vida que sinto, há outra cognição aliada a ela; isto é, que, além de mim mesma, estou cercada por um mundo inteiro de criaturas vivas, possuidoras, como eu mesma, da mesma percepção instintiva de suas vidas exclusivas; e que todas essas criaturas vivem para seus próprios objetivos, que são alheios a mim; que essas criaturas não sabem, nem se importam em saber, nada acerca das minhas pretensões a uma vida exclusiva, e que todas essas criaturas, para obter sucesso em seus objetivos, estão dispostas a me aniquilar a qualquer momento. Mas isso não é tudo. Enquanto assisto à destruição de criaturas semelhantes a mim, sei que para mim também, para aquele precioso EU que é o único que representa a vida, uma destruição muito rápida e inevitável está à espreita.
É como se houvesse dois “eus” no homem; é como se eles nunca pudessem viver em paz juntos; é como se estivessem eternamente lutando e sempre tentando expulsar um ao outro.
Um “eu” diz: “somente eu estou vivendo como se deve viver, todo o resto apenas parece viver. Por isso, toda a razão de ser do Universo está no fato de que eu me sinta confortável”.
O outro “eu” responde: “O Universo não é para você, mas para seus próprios objetivos e propósitos, e pouco se importa em saber se você é feliz ou infeliz”.
A vida se torna uma coisa terrível depois disso.
Um “eu” diz: “Eu só quero a realização de todos os meus desejos e vontades, e é por isso que preciso do Universo”.
O outro “eu” responde: “Toda vida animal vive apenas para a realização de seus desejos e vontades”. São apenas as vontades e os desejos dos animais que são satisfeitos às custas e em detrimento de outros animais; daí a luta incessante entre as espécies animais. Você é um animal e, por isso, tem de lutar. Mas, por mais bem-sucedido que esteja em sua luta, as demais criaturas que lutam devem, mais cedo ou mais tarde, esmagá-lo …
“Pior ainda! a vida se torna ainda mais terrível”. . .
Mas o mais terrível de tudo, o que inclui em si todo o exposto acima, é o seguinte:
Um “eu” diz: “Eu quero viver, viver para sempre”.
E o outro “eu” responde: ” talvez em poucos minutos, você certamente morrerá; assim como morrerão todos aqueles que você ama, pois você e eles estão destruindo suas vidas com cada movimento, aproximando-se, assim, cada vez mais do sofrimento, da morte, de tudo aquilo que você tanto odeia, e que você teme acima de qualquer outra coisa”.
Isso é o pior de tudo …
Mudar essa condição é impossível … É possível evitar se mover, dormir, comer, até mesmo respirar, mas não se pode evadir do pensamento. A pessoa pensa, e esse pensamento, o meu pensamento, está envenenando cada passo em minha vida, como uma personalidade.
Assim que o homem começa a ter uma vida consciente, essa consciência lhe repete incessantemente, sem descanso, repetidamente a mesma coisa. “Para viver uma vida tal como você sente e vê em seu passado, a vida vivida por animais e muitos homens também, vivida dessa maneira, que fez com que você se tornasse o que é agora – não é mais possível. Se você tentasse fazer isso, jamais conseguiria escapar da luta com todo o mundo de criaturas que vivem assim como você – por seus objetivos pessoais; e então essas criaturas inevitavelmente o destruirão”.
Mudar essa situação é impossível. Resta apenas uma coisa a fazer, e isso é sempre feito por aquele que, ao começar a viver, transfere seus objetivos na vida para fora de si mesmo e procura alcançá-los. Mas, por mais longe que ele os coloque fora de sua personalidade, à medida que sua mente se torna mais clara, nenhum desses objetivos irá satisfazê-lo.
Bismarck, tendo unido a Alemanha e governando agora a Europa – caso sua razão tenha lançado alguma luz sobre os resultados de sua atividade – deve perceber, tanto quanto seu próprio cozinheiro que prepara um jantar que será devorado em uma hora, a mesma contradição não resolvida entre a vaidade e a tolice de tudo o que fez e a eternidade e razoabilidade daquilo que existe para sempre. Se apenas pensarem nisso, cada um verá tão claramente quanto o outro; em primeiro lugar, que a preservação da integridade do jantar do Príncipe Bismarck, assim como a da poderosa Alemanha, deve-se exclusivamente: à preservação do primeiro – à polícia, e a preservação do segundo – ao exército; e isso, desde que ambos mantenham uma boa vigilância. Porque há pessoas famintas que comeriam prontamente o jantar, e nações que desejariam ser tão poderosas quanto a Alemanha. Em segundo lugar, que nem o jantar do príncipe Bismarck, nem o poder do império alemão, coincidem com os objetivos e propósitos da Vida Universal, mas que estão em flagrante contradição com eles. E, em terceiro lugar, que assim como aquele que preparou o jantar, assim também o poder da Alemanha, morrerão ambos muito em breve, e que assim perecerão, e tão logo quanto, tanto o jantar quanto a Alemanha. O que sobreviverá é o Universo somente, que nunca pensará no jantar ou na Alemanha, muito menos naqueles que os prepararam.
À medida em que a condição intelectual do homem aumenta, ele chega à ideia de que nenhuma felicidade ligada à sua personalidade é uma conquista, mas apenas uma necessidade. A personalidade é apenas aquele estado incipiente a partir do qual se inicia a vida, e o limite final da vida …
Poderiam me perguntar onde, então, a vida começa, e onde ela termina? Onde termina a noite, e onde começa o dia? Onde, na margem, termina o domínio do mar, e onde começa o domínio da terra?
Há dia e há noite; há terra e há mar; há vida e há não-vida.
Nossa vida, desde que nos tornamos conscientes dela, se assemelha a um movimento pendular entre duas delimitações.
Uma delimitação é uma absoluta despreocupação com a vida do Universo infinito, uma energia dirigida apenas para a gratificação da própria personalidade.
A outra delimitação é uma renúncia completa a essa personalidade, a maior preocupação com a vida do Universo infinito, em plena consonância com ele, a transferência de todos os nossos desejos e boa vontade do próprio Self para esse Universo infinito e para todas as criaturas fora de nós. (3)
Quanto mais próximo do primeiro limite, menos vida e bem-aventurança, quanto mais próximo do segundo, mais vida e bem-aventurança. Portanto, o homem está sempre se movendo de um extremo ao outro, isto é, ele vive. ESSE MOVIMENTO É A PRÓPRIA VIDA.
E quando falo de vida, saiba que a ideia dela está indissoluvelmente conectada em minhas concepções com a da vida consciente. Nenhuma outra vida é conhecida por mim, a não ser a vida consciente, nem pode ser conhecida por mais ninguém.
Chamamos a vida, a vida dos animais, de vida orgânica. Mas não é vida alguma, apenas um certo estado ou condição de vida que se manifesta para nós.
Mas o que é essa consciência ou mente, cujas exigências excluem a personalidade e transferem a energia do homem para fora dele e para aquele estado que é concebido por nós como o bem-aventurado estado do amor?
O que é mente consciente? O que quer que estejamos definindo, temos que defini-lo com nossa mente consciente. Portanto, com o que devemos definir a mente? …
Se tivermos que definir tudo com nossa mente, significa que a mente consciente não pode ser definida. No entanto, todos nós não só a conhecemos, mas ela é
(3) Isso é o que os teosofistas chamam de “viver a vida” – em uma casca de noz. – H.P.B.
a única coisa que nos é dada a conhecer de forma inegável …
É a mesma lei que a Lei da Vida, de tudo o que é orgânico, animal ou vegetal, com a única diferença de que vemos a realização de uma lei inteligente na vida de uma planta. Mas a lei da mente consciente, à qual estamos sujeitos, como a árvore está sujeita à sua lei, nós não a vemos, mas a cumprimos.
Nós estabelecemos que a vida é aquilo que não é a nossa vida. É aí que se esconde a raiz do erro. Em vez de estudar a vida da qual estamos conscientes dentro de nós mesmos, absoluta e exclusivamente – já que não podemos saber de mais nada – para estudá-la, observamos aquilo que é desprovido do aspecto e da faculdade mais importante de nossa vida, a saber, a consciência inteligente. Ao fazê-lo, agimos como um homem que tenta estudar um objeto por sua sombra ou reflexo.
Se sabemos que as partículas de substância são submetidas, durante sua transformação, à atividade do organismo; sabemos disso não porque o observamos ou estudamos, mas simplesmente porque possuímos um certo organismo familiar unido a nós, isto é, o organismo de nosso animal, que é muito bem conhecido por nós como a matéria de nossa vida; isto é, aquela sobre a qual somos chamados a trabalhar e a governar, submetendo-a à lei da razão. Assim que o homem perde a fé na vida, assim que ele transfere essa vida para aquilo que é não-vida, então ele se torna miserável, e vê a morte. Um homem que concebe a vida tal como a encontra em sua consciência, não vivencie a miséria nem a morte: porque todo o bem da vida para ele está na submissão de seu animal à lei da razão, de fazer não somente o que está em seu poder, mas o que inevitavelmente acontece dentro dele. Nós conhecemos a morte das partículas do ser animal. Nós conhecemos a morte dos animais e do homem, como animal; mas não sabemos nada sobre a morte da mente consciente, nem podemos saber nada sobre ela, exatamente porque essa mente consciente é a própria vida. E a Vida nunca pode ser Morte …
O animal vive uma existência de bem-aventurança, sem ver nem conhecer a morte, e morre sem ter consciência dela. Por que, então, o homem deveria ter recebido a dádiva de vê-la e conhecê-la, e por que a morte deveria ser tão terrível para ele a ponto de realmente torturar sua Alma, muitas vezes forçando-o a se matar por puro medo da morte? Por que deveria ser assim? Porque o homem que vê a morte é um homem doente, alguém que quebrou a lei de sua vida e não vive mais uma existência consciente. Ele próprio se tornou um animal, um animal que também infringiu a Lei da Vida.
A vida do homem é um anseio à felicidade, e aquilo a que ele anseio lhe é dado. A Luz acesa na Alma do homem é felicidade e vida, e essa Luz nunca pode ser escuridão, pois existe – de fato existe para o homem – somente essa Luz solitária que arde em sua Alma.”
Traduzimos esse fragmento bastante longo do Relatório da soberba palestra do Conde Tolstói, porque ele parece ser como o eco dos melhores ensinamentos da ética universal da verdadeira Teosofia. Sua definição de vida em seu sentido abstrato, e da vida que todo teosofista sincero deve seguir, cada um de acordo com e na medida de suas capacidades naturais – é o resumo, o Alfa e o Ômega da vida psíquica prática, se não da vida espiritual. Há frases na palestra que, para o teosofista médio, parecerão muito nebulosas e talvez incompletas. Porém, ele não encontrará nenhuma que possa ser contestada pelo ocultista mais exigente e prático. Ele pode ser chamado de um tratado sobre a Alquimia da Alma. Pois aquela luz “solitária” no homem, que arde para sempre e nunca poderá ser trevas em sua natureza intrínseca, embora o “animal” que está fora de nós possa permanecer cego para ela – é aquela “Luz” sobre a qual os neoplatônicos da escola de Alexandria e, depois deles, os rosacruzes e, especialmente, os alquimistas, escreveram volumes, embora, até hoje, seu verdadeiro significado seja um mistério obscuro para a maioria dos homens.
É verdade; o Conde Tolstói não é um alexandrino nem um teosofista moderno; muito menos é um rosacruz ou um alquimista. Mas aquilo que estes últimos esconderam sob a peculiar fraseologia dos filósofos do fogo, confundindo propositadamente transmutações cósmicas com Alquimia Espiritual, tudo o que é transferido pelo grande pensador russo do reino da metafísica para o campo da vida prática. Aquilo que Schelling definiria como sendo uma realização da identidade do sujeito e objeto no Ego interno do homem, aquilo que une e mistura este último com a Alma Universal – que não é senão a identidade do sujeito e objeto em um plano superior, ou a desconhecida Deidade – tudo aquilo que o Conde Tolstói misturou sem sair do plano terrestre. Ele é um daqueles poucos eleitos que começam com a intuição e terminam com a quase-omnisciência. É a transmutação dos metais mais básicos – a massa animal – em ouro e prata, ou a pedra filosofal, o desenvolvimento e a manifestação do Self Superior do homem que o Conde alcançou. O alcaeste [solvente universal] do alquimista inferior é o All-Geist, o Espírito Divino que permeia tudo do Iniciado mais elevado; pois a Alquimia foi e é, como tão poucos sabem até hoje, tanto uma filosofia espiritual quanto uma ciência física. Aquele que nada conhece de uma, jamais conhecerá muito da outra. Aristóteles o disse muito claramente ao seu aluno, Alexandre: “Não é uma pedra”, disse ele, acerca da pedra filosofal. “Ela está em todo homem, em todo lugar e em todas as estações, e é chamada de desígnio de todos os filósofos”, assim como o Vedanta é o desígnio de todas as filosofias.
Para concluir este ensaio sobre a Ciência da Vida, algumas palavras podem ser ditas sobre o eterno enigma proposto aos mortais pela Esfinge. Falhar em resolver o problema contido nela era estar condenado à morte certa, pois a Esfinge da vida devorava os não-intuitivos, que vivessem apenas em seu “animal”. Aquele que vive para o Self, e somente para o Self, certamente morrerá, assim como o “Eu” superior diz ao “animal” inferior na Palestra. O enigma tem sete chaves, e o Conde abre o mistério com uma das mais elevadas. Pois, como o autor de “Filosofia Hermética” belamente o expressou: “O verdadeiro mistério mais familiar e, ao mesmo tempo, mais desconhecido para todo homem, no qual ele deve ser iniciado ou perecer como ateu, é ele mesmo. É para ele tomar o elixir da vida, o qual, antes da descoberta da pedra filosofal, é beber a bebida da morte, enquanto confere ao Adepto e ao epopta a verdadeira imortalidade. Ele pode conhecer a verdade como ela realmente é – Aleteia, o alento de Deus, ou Vida, a mente consciente no homem”.
Esse é “o alcaeste que dissolve todas as coisas”, e o Conde Tolstói entendeu bem o enigma.
H.P. Blavatsky
Lucifer, novembro de 1887