Dons espirituais e suas Obtenções – W.Q.Judge
Uma das perguntas que um teosofista está propenso a fazer e de inquirir com alguma seriedade e veemência é: como posso progredir na vida superior? Como posso alcançar os dons espirituais? Pela frase “dons espirituais”, que é uma expressão bastante ambígua, estamos em dívida com Paulo, o Apóstolo e Adepto, que assim escreveu para a Igreja Coríntia: “Acerca dos dons espirituais, eu não quero, irmãos, que sejais ignorantes”. Entre os “dons” que ele passa a enumerar temos: sabedoria; conhecimento; fé; cura; realização de milagres; profecia; diferenciar espíritos; falar diversas línguas e a interpretação de línguas. E enquanto o Apóstolo exorta os Coríntios a “cobiçar sinceramente os melhores dons”, ele continua a mostrar-lhes uma maneira mais perfeita, ou seja, a lei suprema do amor: “Agora permanecem”, diz ele, “fé, esperança, caridade (ou amor), essas três, mas o maior dessas é a caridade”. Os dons espirituais, então, por mais desejável que seja sua posse, claramente não estão, na opinião desse bom Adepto, no plano mais elevado, não são o objeto supremo da realização humana ou a melhor maneira de alcançar a perfeição humana. Eles podem, sem dúvida, ser propriamente considerados como evidências de avanço nos planos superiores do pensamento e da vida espiritual, e podem ser cobiçados e usados para o benefício dos outros; mas não são em si mesmos o objetivo principal do desejo humano. Porque o objetivo supremo do homem deveria ser o de tornar-se Deus, e “Deus é amor”.
Mas olhemos o assunto um pouco mais de perto. Em primeiro lugar, o que é um “dom”? Qual é a aceitação comum da palavra? Claramente algo dado ou conferido a um recebedor, não algo que o homem já possui, ou que ele pode obter por um processo de crescimento ou de desenvolvimento. Este último, estritamente falando, seria um “fruto”, não um dom. Uma árvore que há muitos anos nada produz além de folhas e galhos finalmente irrompe em flor e fruto. Nenhum novo “dom” foi conferido a ela; ela simplesmente atingiu um estágio de desenvolvimento em seu crescimento natural quando certos poderes, inerentes à árvore desde o início, têm uma oportunidade de se afirmar. Da mesma forma, os poderes transcendentais possuídos pelos Adeptos não são dons; mas o resultado natural do crescimento em certos sentidos e o necessário florescimento, por assim dizer, do desenvolvimento profundo em seus casos daquelas potencialidades espirituais que são o direito de nascimento de todos os homens.
Tomando essa visão do significado da palavra, eu acredito que a maioria dos teosofistas estarão prontos para admitir que a expressão “dons espirituais” é um termo impróprio. Não há e não pode haver dons para o homem receber. O que quer que o estudante da vida superior seja, ele é conforme o resultado de seus trabalhos passados. O que quer que ele possa se tornar no futuro será devido a seus próprios esforços. Ele pode desenvolver suas faculdades latentes e, com o tempo, tornar-se um Adepto, ou ele pode se desviar ao longo dos cursos da vida sem objetivo ou sem esforço, até finalmente afundar no esquecimento. Seu destino está em suas próprias mãos e não depende de “dons”.
Entretanto, tendo em mente a natureza múltipla do homem, o assunto pode ser visto de outro ponto de vista. Para todos os fins práticos, pode-se dizer que o homem consiste de corpo, Alma e espírito, sendo a alma o verdadeiro ego, e o espírito uno com o Supremo. E considerando esses, por enquanto, como entidades separadas, é perfeitamente verdade, como diz Tiago, outro apóstolo, que “todo dom bom e todo dom perfeito, é de cima”. Toda aspiração da Alma por coisas espirituais, toda determinação do homem em levar uma vida mais pura, toda ajuda estendida a um irmão mais fraco, todo desejo pela verdade, toda fome e sede de retidão, esses e outros anseios e lutas da Alma, antes de tudo, vieram de cima. Nesse sentido, eles podem ser chamados de “dons”, – presentes da natureza superior para a inferior, do espiritual para o humano. E esta ação do acima sobre o abaixo é vista naqueles atributos, qualidades ou virtudes humanas – o que quer que se queira chamá-los – que Paulo em outro lugar enumera como os “frutos do espírito: amor; alegria; paz; brandura indulgente; bondade; fé; mansidão; temperança”.
Olhando por esses dois pontos de vista, como podemos obter dons espirituais? A resposta parece depender do que estamos de fato ambicionando. Se os poderes extraordinários dos Adeptos cativaram a nossa fantasia e dispararam a nossa ambição, então devemos nos encher de paciência. Poucos de nós, se é que há algum, estão preparados para um processo de “forçar”. Devemos contentar-nos em esperar e trabalhar; crescer e desenvolver; linha por linha, preceito sobre preceito, um pouco aqui, um pouco acolá até, daqui eras talvez, chegarmos à estatura plena do homem perfeito. Se, no entanto, reconhecermos sabiamente nossas limitações, nos esforçamos, em vez disso, segundo o que pode ser chamado de manifestações ordinárias do espírito, duas linhas óbvias de conduta se sugerem.
Cada impulso vindo de cima, cada impulso do Divino interno deveria encontrar imediatamente uma calorosa recepção e resposta. Se você sentir como se algo o exortasse a visitar algum vizinho ou amigo doente ou aflito, obedeça à sugestão sem demora. Se o desejo de virar uma nova folha vier para a consciência inferior, não espere até o próximo Ano Novo antes de realmente virá-la; vire-a agora. Se alguma história patética de sofrimento o moveu, aja sobre a emoção enquanto suas bochechas ainda estiverem molhadas de lágrimas. Em suma, coloque-se prontamente em linha com os caminhos Divinos, em harmonia com as leis Divinas. Mais luz, mais sabedoria, mais espiritualidade devem necessariamente chegar a alguém assim preparado, assim expectante. Como pode uma barra de ferro ser impregnada com o magnetismo da Terra se ela é colocada transversalmente em vez de em linha com o meridiano magnético? Como pode um homem esperar dons ou poderes espirituais se ele persiste em ignorar as condições espirituais, em violar as leis espirituais? Para obter o bem, devemos ter bons pensamentos; devemos estar cheios de bons desejos; em resumo, devemos ser bons.
E essa sugestão prática é cumprir fiel e conscienciosamente todo dever conhecido. É nos e através dos incidentes da vida diária, no trabalho bem feito, nas tarefas bem executadas, que hoje podemos progredir mais prontamente na vida superior, um progresso lento, pode ser, mas em todo caso, seguro. Avançamos mais rapidamente quando paramos para ajudar outros caminhantes. Recebemos mais quando sacrificamos mais. Alcançamos a maior medida do amor Divino quando amamos mais altruisticamente os irmãos. Nós certamente nos tornamos uno com o Supremo quando nós nos perdemos no trabalho para a Humanidade.
DIES NON (WQJ)
Path, Fevereiro 1889